quinta-feira, 23 de julho de 2009

Free Hugs

Não há mais como não dizer que a vida é surpreendente. Isso está completamente fora de questão. Embora haja divergências entre aceitar as surpresas bem ou mal, é inaceitável dizer que não somos surpreendidos o tempo todo. Segunda-feira, à noite, em uma despretensiosa conversa na casa do Lindão com Pércio, Durock e ele, enquanto falávamos sobre garotas e contávamos piadas ruins, fomos completamente surpreendidos pela vontade de abraçar pessoas. Inspirados pela imagem da campanha na internet e incentivados pelo Durock estaríamos no dia seguinte (terça-feira) com meias, chinelos, cartazes de “ABRAÇOS GRÁTIS” e sorrisos cativantes. Sem lenço e sem documento.

“Beleza! Vamos nós quatro e quem mais vier é lucro.” Padilha e Henrique (Presunto) se juntaram a nós na empreitada Free Hugs numa terça atípica em Itaperuna. Fazia frio e não tinha Rush na Hora do Rush. Padilha (fingiu que) orou antes de sairmos.

Saímos da casa do Pércio por volta das quatro ou cinco da tarde, sem muito otimismo, confesso, sentimento que se reforçou quando o primeiro retorno da campanha foi uma buzinada de ônibus. Revigorante. É necessário que se leve em conta também que seis garotos, pitorescamente vestidos, com cinco cartazes, numa tarde de férias, querendo dar abraços, não passam muita credibilidade...

AQUELE ABRAÇO...

No início tínhamos uma conta. Até o instante do primeiro abraço eram: Uma buzinada; uma cantada; um sorriso; e zero abraços. Depois de uns 200 ou 300 metros de agonia (perdoem minha falta de noção de espaço) duas senhoras abriram as canjicas e perguntaram: “Mas como é que é esse negócio aí?” Legal. A partir de então já começamos a pensar que tinha valido a pena. As mulheres foram gentis e rasgaram ceda com a gente: “Se tivessem mais uns três de vocês o mundo seria melhor!” Depois de uns 20 metros a cena se repetiria com um senhor conhecido.

A RODOVIÁRIA

Minha mãe não gosta da rodoviária. E acredito que o mesmo valha para os outros empreiteiros. É o lugar que, em geral, as pessoas escolhem para ficarem bêbadas. Foi lá que paramos a primeira vez pra ver o movimento. E lá também que a coisa se aprofundou. Ficou mais do que claro que o Brasil é bastante machista, e isso não é legal. As mulheres não se constrangiam e algumas até pediam abraços. Os homens, em sua maioria (pra não correr o risco de ser injusto), respondiam com o clássico: “Cê ta doido...” Foi na saída que um homem, um pouco efeminado, admito, nos perguntou o motivo daquilo e, relutante, nos abraçou, pensando até o fim estarmos em algum tipo de travessura maquiavélica.


A LUA NA CALÇADA...

Atravessamos até a grande calçada que divide Itaperuna em duas. Muita gente passava. Uns olhavam e estranhavam enquanto outros olhavam e achavam estranho. Mais uma vez o pessimismo estava presente e precisávamos rapidamente de um conhecido. Apareceram os conhecidos. O bacana é que eles serviam de exemplo. Como disse Donald Miller: "Algumas vezes você precisa ver alguém amar alguma coisa antes de você mesmo conseguir amá-la. É como se a pessoa estivesse mostrando o caminho." Nos abraçávamos, fazíamos um pouco de espetáculo e ganhávamos mais sorrisos um pouco à frente. Em mais um dos botecos de Itaperuna foi bonito ver todos aqueles caras cheirando à cerveja nos abraçando e desejando coisas boas depois de incentivados por um mais gordo. Não estávamos tão mal das pernas...

GÉZUIS!

O nosso primeiro encontro com o Jesus se deu de forma bastante inusitada; mais uma vez acompanhado por umas belas doses de álcool. Paramos diante do esforço de um senhor para ler os cartazes e, como ele aparentemente não enxergava um copo além do seu nariz, resolvemos oferecer os abraços via fala. Ele foi receptivo e nos acolheu como uma galinha. Abraçou um por um e começou a pregação. Falou sobre amor ao próximo e nos teceu alguns elogios, dizendo o quanto o que estávamos fazendo era importante. Demos crédito, embora ele parecesse falar em um dialeto cambojano e continuamos ouvindo sua história que dizia que quem não fosse batizado iria queimar no fogo eterno. Beleza. A gente se despediu e cada um seguiu seu caminho.

No segundo encontro com o Jesus nos arrependemos de não termos pedido ao cara do primeiro encontro a receita de andar cambaleando. Era um cara com jornais da Universal que nos abraçou pra fazer propaganda da igreja. Ficamos um pouco constrangidos, demos um pouco de corda, falamos como crentes, pegamos os jornais e, em seguida, o caminho da roça.

ENCONTRO MERCADO

Padilha se despediu. Entramos no último mercado da avenida pra contornarmos e voltarmos pela beira-rio no sentido oposto. Mais uma vez as mulheres foram mais receptivas e nos abraçaram sorrindo logo de cara. Os homens do caixa, elegantemente disseram umas frases reveladoras: “Porra, se tivesse mulé a gente abraçava!” Em um dos corredores uma senhora foi bastante enigmática. Ficou olhando sem conseguir entender as letras garrafais dos cartazes até ouvir a tradução de uma fulaninha que passava ao lado: ”Abraços grátis!” A senhora respondeu com um simpático “Ah, gostei”. Aproveitando-nos da situação e certos da hospitalidade corporal da pequena senhora, oferecemos nosso produto e tivemos que ouvir o NÃO e ver a hospitalidade das costas da senhora; como uma faca nas nossas.

DANI-SE

A beira-rio foi o Simão de Cirene do Free Hugs. Descansamos os braços tendo de levantá-los pouquíssimas vezes. Uma dessas vezes foi pra acenar a um moleque no Half Pipe. Longe de olhos responsáveis e provavelmente não só por isso, “o moleque era o capeta!” Correu até a beira do Half gritando e debochando alegremente. Oferecemos abraços meio que como pérolas para aquele porquinho sacana e os mandamos pelo ar. Durock, costumeiramente, fez piada. “Recebe aí por Bluetooth” O rapaz confundiu Bluetooth com Youtube e nós seguimos nossa peregrinação.

Paramos, em seguida, na casa da Dani, companheira nos incentivos via twitter, e excelente programadora de temporizadores em máquinas fotográficas. Batemos um papo rápido e conquistamos mais uma para a próxima andança. As fantasias já foram inclusive providenciadas. Pelo menos agora os caras do mercado não têm mais desculpas.


EU VOLTEI PRAS COISAS QUE EU DEIXEI...

Saímos da casa da Dani e pensamos em abraçar a estátua do prefeito. Ele estava com a mão levantada... Por motivos de risco não fizemos nada. Paramos na Igreja com uns colegas e nos desfizemos de mais dois: Durock e uma certeza estranha de uma volta sem “nooossa’s” ficaram por lá mesmo. Logo na saída fomos abordados por três jovens excessivamente simpáticas. “Vão só ficar andando com os cartazes, não vão abraçar, não?” Explicamos a tática do sorriso e uma delas falou uma verdade: brasileiros não curtem ler. Sugerindo a participação de um Trio Elétrico na próxima viagem.

Poucos metros depois foi a nossa vez de sermos machistas e preconceituosos. Um frentista aplaudiu a campanha e pensamos ser uma espécie de ‘ironia concisa e hermética’. Oferecemos abraços pra não corrermos o risco da taxação de MUITO antipáticos e fomos surpreendidos por um harmonioso “Chega aê”. O camarada e seus dois amigos foram bastante agradáveis e por fim perguntaram se éramos da igreja. Respondemos com um “praticamente” e saímos satisfeitos.

Depois do trajeto de volta completo nos desfizemos do Henrique e seguimos até a casa da Paula, da comissão de prestação de contas. Apresentações, uma conversa agradável, tímida e algumas fotos; era o fim da nossa primeira Free Hugs.

PROCURANDO BEM TODO MUNDO TEM PEREBA

Brancos, negros, bêbados, rabugentos, idosos, professoras de português, senhoras engraçadinhas, machistas, efeminados, crentes, avôs, irmãos de amigas, semi-conhecidos, garotas mal-educadas, garotas fumantes, o Padilha... Não houve quem nos escapasse. Ou melhor, houve sim (tinha gente safada que até fingia usar o telefone ou alegava alergias das mais absurdas). O importante foi descobrir que um abraço pode mudar o dia de alguém, pode fazer surgir sorrisos, e quebrar barreiras preconceituosas. O importante foi descobrir que pequenos gestos, podem estar carregados de significação e alguma outra coisa que ficaria muito melosa pra um texto de macho. Abraços sinceros, abraços de urso, UPAS, abraços revitalizantes, e o melhor de tudo: abraços grátis!